Dia 17 de outubro deste ano (2023) meu sucessor, D. Fontinele completou três anos de pastoreio da diocese de Humaitá. Com a ordenação ele assumiu logo a administração. Fiquei ´emérito´, mais simples, aposentei – me das funções de um bispo diocesano. Afinal, havia chegado à idade de 76 anos. Fiquei feliz com a disposição de D. Fontinele de se dedicar à diocese de corpo e alma. Saí do Amazonas com gratidão – e com muita saudade. Também com preocupação, pois a pandemia ceifava ainda muitas vidas – mundo afora…
Três anos depois faço uma retrospectiva, extremamente sintética da situação no mundo, no Brasil, na Igreja… E daquilo que me parece sempre mais importante e desafiador! A começar a situação mundial: Os receios quanto às alterações climáticas se confirmaram em grande parte: Secas, enchentes, calor incomum… A comunidade internacional não soube responder aos desafios – até agora. No entanto, mudou a postura nos programas políticos e industriais. Há um consenso: O amor à nossa geração e, principalmente, às gerações futuras obriga a rever todo o nosso comportamento humano e produtivo. Quem descuida dos ´direitos da natureza´ e não quer ouvir os gritos da natureza é irresponsável.
Os conflitos que se transformaram em guerras: Rússia contra Ucrânia, Hamas contra Israel, regiões inteiras vivendo uma insegurança política perigosa; nova formação de blocos… As ameaças mútuas ressuscitaram. – Os gastos com o armamento dobraram… Quem se beneficia é a indústria das armas.. A fome aumentou no mundo em vez de diminuir. – Deu terremotos em diversos lugares do globo com muitas vítimas. Há novas ameaças…
No Brasil mudou a equipe dos governantes. Mudaram os focos da ação governamental, as prioridades, o estilo, a atenção para com a população mais carente, embora muitos problemas persistam. A sociedade – parece – ficou polarizada… No entanto, todo mundo sabe que, sem o esforço de todos, não haverá o progresso social almejado. – A situação geral da América do Sul não melhorou significativamente. Há muitos motivos para se preocupar e envidar mais esforços, mais disciplina e austeridade pelo lado das classes abastadas e ricas. A e B. (O Evangelho aponta o rumo certo: Conversão – da própria sociedade, não apenas de muitos indivíduos.)
No campo eclesial – acompanhamos o esforço de nossa Igreja para recuperar uma característica sua: A sinodalidade. Todos os fiéis, independentes de suas funções e de sua posição dentro do povo de Deus, são chamados a participar ativamente da organização e da missão da Igreja. Papa Francisco mostra sua ´originalidade e coragem´, mas também suas limitações. Ele é ao mesmo tempo visionário e realista, pisa firme. Quer a participação de todos, mas não solta o ´leme´. Ama a grande Tradição da Igreja, mas não quer se prender a ela. Sugere propostas audaciosas, mas hesita em concretizá-las. Em tudo simples e humilde, homem da oração e dos pequenos gestos. Também na Igreja há polarizações e uma difusa insegurança. Na Alemanha, o êxodo das Igrejas assusta.
Aqui, na Alemanha sinto – me, ao mesmo tempo, ´em casa` e ´estranho´. Vejo os grandes desafios numa sociedade secularizada e (ao mesmo tempo) poucas chances para proceder como gostaria. Na Igreja, que – aos olhos da mídia – perdeu sua relevância social e política, há clamores por reformas estruturais, por uma nova moral sexual … Para muitos, o homem é autor da própria moral, autônomo, livre, sem obrigação de se sujeitar a uma instância superior ou a uma instituição como a Igreja. Cada um (a) interprete a vontade de Deus independente de uma comunidade ou da sociedade. Não apenas os teólogos e ministros ordenados, mas todos os fiéis captam o que Deus quer dizer. No entanto, quem persiste em interpretações tradicionais da doutrina da Igreja, parece descartado da Igreja do futuro. Os escândalos sexuais (abusos) desacreditaram a Igreja como instrumento e sinal da ação privilegiada de Deus… Olhando as liturgias – parece que são celebradas só para e com pessoas da Terceira Idade. E mesmo estas pessoas fiéis pedem uma Igreja renovada que traz os egressos (só em 2022 saíram da Igreja Católica mais que 520.000 membros) de volta. (No entanto, quando convido, no início da celebração, que as pessoas venham mais perto do altar, pouquíssimas se levantam para atender!) A prática da oração individual e comunitária é fraca – pelo que escuto. Do outro lado há grupos fervorosos…
A meu ver, a fé na Palavra de Deus, na própria pessoa de Jesus Cristo, no amor ao Pai e a docilidade ao Espírito Santo enfraqueceram assustadoramente. O homem atual basta a si mesmo. Céus e infernos estão ´empacotados´ nas realidades que vivemos. ´Algo além da morte pode existir, mas não importa. Certamente, há muitos gestos de solidariedade e caridade na sociedade: Quantas campanhas para socorrer às vítimas de guerras e catástrofes! Quanta insistência na dignidade humana e nos direitos humanos! Acredito que são ´ecos´ do trabalho das Igrejas, do Evangelho da Vida, de uma aplicação do mistério da Encarnação! Não há quem mais valoriza a vida e a dignidade humana do que o próprio Jesus Cristo em nome do seu Pai!
Europa precisa de uma Nova Evangelização. É algo urgente. Mas também as sociedades latino-americanas – e penso no Brasil que é familiar para mim – correm o perigo de fazer o mesmo percurso. A Fé em Jesus Cristo e em tudo que Ele disse, fez e sofreu, corre perigo de se diluir em alguns costumes e tradições religiosas e perder sua relevância. No entanto, a Fé Cristã tem uma mensagem que nenhuma ideologia pode propor: A Esperança na Vida Eterna, na plenitude da pessoa humana, numa comunhão feliz de todos, na Comunhão com Deus, mistério de Amor!
Acompanho, dentro do possível, a caminhada da Igreja no Brasil, do povo dos fiéis e sua intensa religiosidade popular, mas temo que, dentro de poucas décadas, ´muitas flores murchem e folhas caiam´. Quem não tiver desenvolvido raízes profundas (com a graça de Deus) e cultivando a oração, escutando (com o coração) a Palavra de Deus, participando da comunidade dos fiéis, se alimentando do ´pão da vida´, professando com coragem sua fé, terá muita dificuldade de persistir até o fim. Não vamos nos iludir com a ideia de sermos (ainda) maioria! Sem raízes e convicção não convenceremos. Sem prática não atrairemos. – Os tempos podem ser difíceis, mas Jesus nos assegura: Não temais! Venci o mundo!